A inocência é a universalidade dos seres vivos, é nela que está a beleza da ignorância de quem vive acreditando.

A minha inocência foi esta:


Francisco Sarmento

Este blogue encontra-se concluído para que outro aconteça agora: http://poemasdesentir.wordpress.com/

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Há uma porta de madeira branca por abrir...
O que há para lá dessa porta?
Sinto ser um mundo novo por descobrir,
a chamar-me, a querer dar-me as boas-vindas,
mas receio que seja batota,
que seja só um mundo feito de cinzas...
será uma porta de madeira
ou estou a ver um espelho
de uma porta que ultrapassei?
Não me lembro...
talvez até tenha passado sem me aperceber...
mas onde está a chave?
Não há chave nos meus bolsos,
talvez a tenha perdido
ou nem sequer a tenha achado...

As portas não se abrem sozinhas,
muito menos se trancam sozinhas...

Que não sejam fugas
ou ficarei dependente
de pensamentos instintivos
e de algo que me persegue...

É mentira... é mentira...

Quando Te Esqueces de Mim

Quando te esqueces de mim
o mar deixa de ter ondas,
a Primavera deixa as flores à espera,
e uma criança chora ao luar sem saber,
quando te esqueces de mim,
é como se um raio me atingisse
em pleno céu aberto à luz do dia,
assim, inesperadamente,
- é a realidade a recair na ilusão.

E com aspas se vão formando palavras
sem significado, apenas para cobrir
o que não se consegue dizer,
como uma ironia disfarçada de sorriso,
é de um sarcasmo amargo na resposta
sobre quando te esqueces de mim:
Já estou habituado, é sempre assim...

terça-feira, 21 de agosto de 2012

À noite,
quando os meus olhos tomam o seu repouso,
todas as estrelas formam uma única constelação
desenhando o teu retracto, o teu sorriso...
mas por mais que estique a mão
estás sempre longe, muito longe...
como a inalcançável linha do horizonte...

desculpa... só me apetece pedir desculpa...
desculpa ter nascido...
À margem de todos... com tudo.
Não escrevi para ti, não escrevo para galerias,
só escrevo para corações, olhares, almas...
só escrevo para paisagens... (ou... miragens?...)
por isso não te admito ser lido
com intenção de quem quer ver
menos do que as coisas são:
com severidade, com... austeridade...
- porque sou uma criancinha a escrever.

Uma criança que inocente que olha para o lado
quando não quer ver os horrores da vida,
que olha para as pessoas interrogando-se sobre elas,
com olhinhos vivos de quem pinta
sem se mexer, sem... dizer...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Morte Do Poeta


Aglomerei-me com o Universo,
deitei-me com cada estrela dele,
entreguei-me à alma das coisas e das causas,
engoli, como o espelho, o Mundo inteiro,
dentro do meu corpo está cada partícula do nosso Planeta,
e vomitei Poesia, ainda que fosse nojento,
abracei-a como um pai, como um irmão, como um só,
e deixei-a voar, navegar e caminhar nos vossos espíritos
como se eu já não tivesse nada a ver com os meus poemas,
mas o meu último poema não está escrito
porque sofre constantes mudanças,
até mesmo depois da minha morte:
com fé incessante titulei-lhe: Humanidade.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Fomos ar
no momento em que abrimos os braços
e rodámos sobre nós sem parar.

Fomos água
no momento em que mergulhámos
dentro do mar e ouvimos o seu silêncio.

Fomos fogo
no momento em que chegámos
ao auge de um amor abraçado.

Fomos terra
no momento em que nos afogámos
na lama e ficámos pintados.

Fomos... e não voltámos.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Um poeta em extinção,
um mundo vazio,
um silêncio calado,
um gesto quieto,
uma voz apaziguada,
um olhar cego,
uma mão sem dedos,
um coração trespassado,
um lar sem nada,
um escuro de medos,
uma poço de segredos,
uma luz que não acendeu,
uma pegada rasgada,
este sou eu,
um homem sem alma,
um conto sem fada...

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Mãe

A saber:
não me fiz perder
em ilusões inalcançáveis,
apenas fantasias
que me serviram de lençóis nas noites frias;
todos os meus sentimentos foram palpáveis,
eu senti-os, alteraram as minhas pulsações.
Sabei também
que a chave da porta de casa é a minha mãe,
pois foi quem me preparou para atravessá-la,
foi quem me ensinou a  ultrapassar os buracos no chão,
as ruas minadas, os céus chuvosos,
os vastos desertos da solidão,
a respirar nas ruas invadidas pelo mar da confusão,
ensinou-me a ser rijo como uma pedra da calçada,
tão constantemente pisada, cada vez mais gasta,
e que como eu, como ela, estamos acompanhados
as lágrimas das gentes devastadas,
que mesmo de olhos fechados,
há um sol que nos ilumina e aquece,
há uma lua que brilha nas nossas estradas
para nos dar o calor da fé quando a noite arrefece,
ensinou-me a adaptar-me aos animais
quando a Natureza nos abraça,
quando a sociedade vê-nos a mais,
que as plantas também têm significado
mesmo que não falem, podemos tê-las ao nosso lado
para que sejamos nós a falar por elas,
sem que tenha de haver correntes ou trelas
que nos condicionem a personalidade e a vontade,
ensinou-me a sorrir mesmo quando as lágrimas nos pesam,
a encontrar harmonia tanto no coração como na paisagem,
e, se não encontrar, inventar um poema em nossa homenagem.

Diários de Poeta

Sou um jovem em busca da Poesia
porque é a única certeza que tenho.
Procuro-a na alma dos objectos, nos olhares,
nas palavras, no tempo, nos acontecimentos...
mas acabo por encontrá-la dentro de mim,
como uma catarse.

A tinta do meu papel não se interessa
pela quantidade de leitores,
desde que eu a ame, não há nada a constar.

Mesmo que me perca, escreverei sobre a perdição.
Mesmo que falhe, escreverei sobre o falhanço.
Mesmo desinspirado, escreverei sobre a desinspiração.
E concedo-me o direito de ser assim.

Sou um deus, deus do meu mundo,
só eu sei quantas estrelas tem o meu Universo,
só eu é que vivi a minha vida
porque sou eu é que estou dentro do meu olhar.

Sou poeta, absorvo o que está à minha volta
como um papel absorve a tinta de uma esferográfica,
como quando damos vida a uma fotografia através de recordações.
Uma fotografia que nos fala e tem algo a dizer.
Nunca interroguei a qualidade do verso
porque antes de escrever sinto a sua essência,
- é a minha definição de perfeição,
é a minha maior honestidade.
Um pessoa honesta consigo própria não se define pelo os adjectivos que lhe dão mas sim pelo seu próprio nome.

Fim de Capítulo

Lentamente, o pano vai caindo,
os projectores vão-se desligando,
e eu, sem me aperceber,
continuo o meu monólogo,
o monólogo da minha pessoa,
da minha vida, da minha gente...
O pano continua a descer,
já tapando a minha cara,
e continuo a falar
sem me ter apercebido.
até que as luzes se desligam,
o pano chega ao chão,
separando-me das pessoas,
o meu monólogo é interrompido,
já não o posso continuar,
as palavras que ficaram por dizer
tornaram-se recordações e reflexões
da vida minha que partilhei com os meus.

O pano cai e acaba-se mais um acto na minha vida.
Agora o palco é outro.

sábado, 11 de agosto de 2012

Passei a ter certeza de que para lá do horizonte o oceano cai como cascata onde os mortos estão em queda no universo, esquecidos e abandonados, onde o mundo se desfaz na espuma dessa gigante cascata, porque as lágrimas dos povos não saram e no Olimpo estão as estátuas amaldiçoadas que os escravos e os sobreviventes foram obrigados a erguer: os mortais. Mortais, matam-nos a alma antes do corpo morrer.

Às Horas do Cigarro

O tempo arde, esfumaça-se,
tornando-se parte de outras pessoas
cujos momentos juntos passámos,
e na última hora da idade, 
só nos restará recordações
que se vão desfazendo
à medida que o cérebro morre,
memórias partilhadas
são caramelos deitados fora:
fazem sempre parte de algo,
nem que seja do chão ou do cinzeiro...

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A Explicação de João

Uma vez cruzei-me com o João,
o João que levava uma faca na mão,
vítima de descriminação,
escorria-lhe sangue do corpo,
andava parecendo um morto
por isso toda a gente se afastava,
mas o que não sabem
é que a alma dele também sangrava,
ele estava inchado, cheio de nódoas negras,
mas o que eles desconheciam
é que a sua garganta também estava inchada,
fechada, trancada, acorrentada ao silêncio da opressão,
porque ele tinha cadastro a dar com um pau,
não havia gesto que fizesse que não fosse acusado,
todos se afastavam da sua raiva como ímanes
mas não sabiam que ele desejava no fundo ser abraçado,
que desde o primeiro dia da sua vida estava condenado
a implantarem-lhe a ideia nos seus tímpanos
que ele era malvado e por mais que fizesse
as lágrimas escondidas e abafadas
iriam cozer-lhe os tecidos do seu corpo,
todos o acusaram, se afastaram,
até ao dia em que tudo foi para o torto:
os seus gritos sem dicção arrancaram-lhe o coração
de sentir-se sem saída, de toda a sua vida parecer fantasia,
porque às vezes essa é a única esperança que nos resta
na sociedade voraz que não nos empresta um pedacinho de paz
para que o tempo continue a ser capaz
de existir sobre a nossa pulsação
sem que percamos totalmente a razão.
Assim João, cansado de um destino traçado,
encontrou a Morte num sonho,
e perguntou-lhe se tinha um lençol
que afastasse este mundo medonho,
mas até ela lhe negou uma nova visão sobre o sol,
e João acordou sem querer, a enlouquecer,
querendo vestir as vestes da Morte,
pegou numa faca e apontou à garganta
lançando pragas à Humanidade,
até se aperceber a origem da sua realidade,
a perplexidade da conclusão foi tanta
que as lágrimas pararam de sangrar,
apercebeu-se que foi posto
num canto onde não havia encosto,
onde não havia para se deitar
onde não havia ar para abraçar
então decidiu que não haveria de se matar
e vingar as lágrimas sangrentas e desesperadas,
porque onde há razão e causa há culpado,
quem implantou todo este meu fardo?
A resposta foi fatal, com o tempo descobriu
que tudo era uma mentira,
que a sociedade não passava de uma loja de roupas
num campeonato de quem faria a melhor pose,
mas a tragédia de tudo isto é que todos o faziam a sofrer
e que João elevou-se ao conseguir se aperceber.
Brincou com a verdade, conseguia olhar nos olhos de alguém
e descobrir as suas mágoas, o seu sofrimento,
tocava na sociedade, desfazia-a tão bem,
que se transformou num Titã,
os deuses da terra transformaram-no num invisível ambulante,
uma assombração velha como as origens do mundo
que se alimenta das perguntas que as lágrimas fazem...
Eu luto ao lado dos mortos,
de espada e escudo na mão,
no deserto, na terra dos caídos,
à espera que venha uma tempestade de areia,
prometo resistir à jardada dos media,
de pé firme no chão,
os únicos gritos que ouvirão
nesta manifestação serão os de libertação:
abaixo a corrupção!
Manifestação manchada de sangue,
eles que tragam milhões de cassetetes,
balas, tanques e informação corrompida,
eu tenho ao meu lado o estandarte erguido,
morrerei pelo seu símbolo:
em nome do Povo haja consagração
do fim desta apelidada maldição.
Hoje controlo a gravidade,
cada bala, cada cavidade
que esteja a espumar sangue,
chama-me demónio, ó malvado,
pois não conheces a minha existência
e estavas longe de saber que sou teu inimigo,
tenho comigo a ciência de ter profetizado
os passos que vão te deixar marcado.

O Meu Último Poema

Está ali, ou aqui, o meu último poema.
Consegues ver? Está à nossa volta,
ao nosso redor, está em nós.
Está onde não está:
na presença da ausência,
está por descobrir, está a ser respirado,
está nas ondas, no vento,
nas danças e nos cantos das folhas das árvores,
na calçada, dentro de cada casa,
na morte, no silêncio...
em todo o lado, em todo o movimento,
em toda a estática, em todo o tempo:
no Passado, no Presente e no Futuro.
Não procures: está em ti e para onde olhares.
Está na queda, nas nuvens, no céu,
está aqui, está no vazio.
Está nas lágrimas e nos sorrisos,
em todo o lado, em todo o tempo,
o meu último poema és tu,
tu, que me lês,
pois eu morri e tu estás vivo,
mas a minha Poesia nunca morre,
mesmo que vá comigo...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012


Ainda se ouve, à noite, o eco do cigarro aceso e ritmo das teclas... a música cumpre o seu papel e nós o nosso, seja ele qual for - enquanto estivermos vivos há-de haver algum não é? - e o tempo passa como a quantidade de passos que são precisos daqui a aí, mas tal como o sol que anuncia as manhãs e se esconde para lá do horizonte deixando a lua à solta, cá estamos nós, poetas, sem papel ou com papel incompatível mas desejável à Humanidade, no refúgio do quarto quando a noite ganha forma, expelindo o nosso Universo que, com ou sem papel, vamos escrevendo, adivinhando e até mesmo inventando o papel dos outros. Somos personagens fora do próprio livro, livro de folhas sem nada escrito, como quando o nada se torna em tudo. Haveremos de estar no céu, à noite, a brilhar como a pureza das estrelas utópicas.
Abraço meu irmão.

Nossos Olhos

Gostava de ser velho como tu
e narrar as minhas memórias
a pessoas como eu, bons ouvintes.

Quantos encantos têm os cantos dos teus cabelos brancos?

O branco dos teus pêlos
são fotografias de momentos marcadas com selos
enviadas para as vitrinas das galerias dos teus olhos,
pois há neles o encontro de uma vida acontecida,
talvez mais intensa do que quando foi feita,
espelho de quem és, cicatrizes e tijolos reflectores,
mágicos, são feitos da mesma matéria que outros olhos,
mas há algo neles que se distancia dos demais,
(justifica lá isso com os teus cálculos, ó Ciência!)
será que é o que neles se contém?
Será que é o que eles mostram?
O que são os nossos olhos, para vermos?
Para os outros nos verem por dentro?
Mas há algo não consumado...
Ainda que olhasse e não visse,
ainda que visse e não olhasse,
é ruptura malícia ou brilho apagado?
O que será?

Uma Outra Aurora da Felicidade

Há um lugar algures por aí
onde eu me bronzeie numa espreguiçadeira,
um lugar onde me deite
emergido num mar de estrelas,
onde esteja a fumar um cigarro num planeta inabitado
e bata palmas ao ver um satélite aterrar:
finalmente a Humanidade conseguiu cá chegar!
Era fácil, mesmo assim ainda demorou um bocado.
Talvez tivesse armadilhado o percurso,
mas eu consciencializei-me sem tirar algum curso,
por isso não compreendo como é que se vai vivendo
em cima da calçada onde cada pedra se vai vendendo.
Ressuscitem-me essa porra de sorriso
na escuridão para ter uma luz de presença
e traz-me um gigantesco riso
na solidão que o seu silêncio torna a alma tensa.
Quando não houver compreensão
haja um vinho feliz, quando não houver perdão
que haja um brinde à liberdade
sobre as escolhas que eu fiz.
E que lá na piela do teu coração
a gente encontre muitos ninhos de emoção,
que daí cresçam ovos e descolem passarinhos livres
para subires às nuvens acima da realidade em que vives.
Que chovam penas em vez papelinhos brilhantes
para celebrar as conquistas do que fora utopia antes,
vamos para a porta da felicidade,
pela maneira como a gente se comporta
mereceremos a sua chave.
Qualquer dia abrimos uma estalagem
para contar as nossas histórias aventurescas
onde o diálogo presenciou a coragem
e as cervejas tornaram-se grotescas.

Mas para quê um sentido?
Desde que tenho ido
ao sofá do teu coração
tornei-me temporariamente imortal
e o resto... bem, o resto...
é uma lata de ração para cão
que eu vos empresto,
não faz mal... pois não?

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Sou totalmente palpável
no sonho de...
palavras sem sentido,
tudo é uma só coisa
porque vai dar sempre ao mesmo.
O que falta à vida?
Nada... totalmente nada.
E ao resto, que fique onde está,
bem longe.
Esta é a terra da falsidade
onde ser civilizado é manter-se calado
mesmo quando algo está errado,
ser civil é andar na rua como uma tábua
com uma etiqueta ou uma aba
a dizer que o burro é bem-educado,
como se diz a um animal domesticado,
que obedece à ordem
por isso a prece da manifestação
é considerada desordem
enquanto a corrupção
dá festinhas na cabeça do Homem.

domingo, 5 de agosto de 2012

O Monstro

Sou um monstro,
horrível, nojento...
nunca deverei tentar,
estou certo que irei falhar...
Mas porque me deixaram nascer?
Até nisso falhei:
tentar não nascer...
Sempre que tentei ganhei,
mas foi a desilusão,
ainda me lembro disso,
é a primeira imagem
que vejo quando acordo:
tinha tentado,
a vitória haveria achado,
era criança,
e, com orgulho e esperança
de ser abraçado,
mostrei-lhes a conquista
e eis que me disseram
ser insuficiente,
vergonhoso do orgulho,
furioso na vitória,
assim me tornei:
o monstro
que espezinha a conquista,
que odeia os vitoriosos
e despreza as tentativas,
o monstro coberto de escamas,
cada escama uma desilusão.
Houve um dia
que achei o poema mais bonito
e foi num papel jamais escrito.

Reflexão Aos Espelhos Desonestos

Ainda há partes de mim em ti,
não são bocados ou restos,
nem entregas...
são, talvez, momentos de partilha...
mas há algo que em mim falta,
será culpa tua ou minha?
serão as circunstâncias da vida ou do tempo?
serei eu que falto-me, que me falto no espelho?
que me finto quando me devo ser honesto?
Não, não roubaste-me nada...
eu tinha algo para te dar...
está algures na desarrumação da minha alma...
mas está sempre a escapar-me,
a fugir-me como eu fujo de mim,
a esconder-se como eu me escondo de mim
quando a realidade se me quer apertar...
m... e... d...o....

medo?
Somos de quem?
Será que é por ser mortal?
Fugimos do sofrimento mesmo quando é-nos honesto?
quando é a única coisa honesta na nossa vida?
É medo? Medo do quê? De quem?
De nós próprios? Dos outros?
Se sofrermos assim tanto, que fazemos?
Morremos? Enlouquecemos? Suicidamo-nos?
É esse o medo instintivo do ser humano?
Sofrer de tal maneira que se mata?
O medo instintivo de sofrer do ser humano é morrer?
É sempre esse o medo do ser vivo,
tentar afastar-nos da ordem natural das partículas...

À Nossa Morte, Meu Amor

Temos que fugir,
o mundo está a desabar,
pedaços do céu caem lentamente,
vamos, vamos para uma cama qualquer
e fiquemos lá, amor, abraçados,
a olhar um para o outro,
que morramos nos escombros deste planeta,
desde que estejamos juntos,
porque na verdade fomos só a nós que vivemos,
só a nós nos tivemos,
só possuímos, de verdade, as nossas almas...
Amor, façamos amor por uma última vez,
não há outro lugar onde eu queira estar,
quero morrer contigo, ao mesmo tempo,
quero estar no conforto do teu peito,
e ainda adormecerei antes de morrer
e morrerei a dormir, a sonhar contigo,
sem nunca chegar a saber que morri,
morreremos felizes assim...
mais felizes que o sorriso da morte
de ter ceifado milhões de vidas
durante toda a sua existência,
sim, morreremos felizes assim...

Fortalezas da Paixão

Preciso de ti,
sem ti sou como um peixe fora d'água,
agitando-se num pânico de morte,
à procura do mar sem saber para que lado é,
sem saber onde é o norte.

Os teus beijos
enchem as minhas veias,
preenchem de ar os meus pulmões,
tu és a raíz da razão das razões:
tu existes e eu não preciso de espelhos,
não preciso de gostar das minhas roupas,
porque tenho a rapariga mais bela do mundo
nos meus humildes braços...

A História do Vento

Existem chamas debaixo d'água,
são os dragões adormecidos de há eras atrás
que acordaram e desenterraram-se
depois de tantos triliões de anos esquecidos
equivalentes aos quilómetros enterrados.
Acordam agora, agitando os oceanos,
rugindo de raiva e vingança.
Não há ser vivo mais puro que este,
mas também já não há habitat puro
e, ao emergirem dos mares,
berraram pela dor de sentirem o planeta tão impuro,
da imensa podridão do ar,
do veneno do mar e do deserto solar,
impureza tal que desfez os dragões
em berros tão altos e tão fortes
que provocaram ondas gigantes,
berros que se chocaram
e provocaram tornados e furacões...
assim se extinguiram os dragões:
por nossa causa, por causa do Planeta poluído,
e ao que chamamos de vento,
não é mais dos que os seus gritos agonizados
a vaguearem pela Terra
à procura do sossego dos anjos...

sábado, 4 de agosto de 2012

O Homem da Esquina da Rua

Na esquina da rua há um rei
que reina o universo da loucura,
um governador de números outrora
que não tinha amigos, apenas tortura,
e quando chegou a hora,
todos fingiram, todos desprezaram
as palavras do seu nome,
todos abandonaram-no
sem nunca mais serem seu mordomo,
e agora, nestes novos tempos,
ainda há uma névoa sobre quem terá sido,
o homem da esquina da rua desconhecido,
que grita com o ar e insulta as multidões,
que enche a rua da praça de pragas e chagas,
todos se desviam, todos o conhecem,
mas nunca souberam as razões
do homem que fala com as estrelas durante o dia
e com o sol durante a noite escura,
o homem que foi rei, diz ser rei,
o ganancioso enlouquecido
que o mundo murmura...

A Bandeira

Assim se fizeram mil bandeiras,
nas mãos suaves de uma mãe,
nas mãos trabalhadoras de um pai,
nas mãos carinhosas de uma criança,
nas mãos descobridoras de um adolescente,
o mundo inteiro parou e resistiu
para que o estandarte fosse a última coisa a afundar-se
no mar de sangue, tão espesso que a areia não conseguiu absorver,
encrostando-se na terra como lava seca,
enterrando os corpos dos guerreiros...
Bandeira insolúvel, infalível,
na tua alta altura está a firmeza e nobreza
sob os gritos orgulhosos do Povo à Pátria,
a ti se dirigem os olhos dos caídos,
dos chorados e dos sobrevividos,
dos honestos e dos perdidos...
o humilde Povo te agarra, como uma estátua, com firmeza,
ao lado do rei, enquanto as estrelas são devoradas pela nobreza,
somos nós que enchemos tecidos à Bandeira
e a renovamos com as cales das nossas mãos,
veremos a cor da paz na Bandeira?
Nunca a vimos, nunca a sentimos,
como poderemos pintá-la com tal, meus irmãos?

Fábula

Já viste o outro lado da Lua?

Dizem que se alimenta da esperança dos Homens,
que nesse lado da lua há a composição dos melhores pintores
e que foi de lá que se inspiraram para inventar os alucinogénicos.

Dizem também que há lá a Fábrica dos Sonhadores
e que de meia em meia volta vem da Fábrica
o João Pestana com um saco para distribuir sonhos.

Mas eu vou contar-te alguns segredozinhos:
o Sol é a Lua em chamas e calor
pois é preciso luz para que os sonhos se mantenham vivos.

E quando a noite está a cair,
chega o Princepezinho a saltitar
de estrela em estrela para acendê-las.

E os planetas giram pois há uma aragem no Universo,
nessa aragem viaja a origem da vida,
todas as respostas às perguntas do Homem.

Também te conto o mundo continua a acontecer
depois de tu adormeceres mas eu não durmo
enquanto não te vir adormecer.

Podes não ter importância perante a sociedade
mas eu amo-te e se me amas, nada mais é importante
e pode ser que um dia a tua influência sobre a Realidade
seja demasiado grande para passar num instante.

O Silêncio

No meio da água existe um buraco,
um vazio de lágrimas ocupado por uma voz afónica,
incomodativa como o silêncio da morte,
como se os ossos dos cadáveres se juntassem
para chorarem, sem terem cordas vocais.

Um silêncio tão despercebido das pessoas
como a escuridão entre duas estrelas
e ao mesmo tempo arrepiam
como se fossem espíritos a atravessar-nos o corpo.

O barulho esconde, em sua falsidade,
para que não se oiça se não um conjunto de palavras
para haver ruídos nos nossos cérebros
e assim, jamais haveremos de ver olhos.

Na música está o silêncio dos ouvintes,
ouvindo o outro canto da alma,
esse canto que tanto nos identificamos
ou idealizamos na almofada do sonho...

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Parasitas

Pasta esta erva,
que se lixe,
a terra é uma merda
mas fazer nada é muito fixe!
O único grito é o do cio
e tudo o resto é brio,
nem tenho pachorra
para ouvir filosofia,
para quê isso?
Para que eu morra?
Não me venhas
com definições
da hipocrisia,
larga-me da mão, porra!
Falemos antes de vacas não pranhas
sem coração nas suas instalações
com quem eu faria.
Vamos tomar um café,
são duas da tarde,
não se faz nada
e eu estou farto de estar de pé,
isto até já me arde,
quero a esplanada!
Porra, já não tenho dinheiro,
se ao menos fosse político,
bem já que não sou,
aproveito e roubo alguém menos verdadeiro,
é que estou em estado crítico
há um café que a minha língua não provou!
Compreendes?
Chama-se democracia,
igualdade, se não tenho dinheiro,
tu tens, dás-me o teu
e ainda te dou um soco na cara
em nome da fraternidade primeiro.
Não foi isto que o sócio prometeu?
Sócios e associados democráticos no parlamento,
aqui nas ruas, sabes como é, é cada um com o seu talento!
Beijos à tua mãe.

Droga Canastrona

Vamos pagar às margens do amor
uma viagem numa montanha-russa
para ficarmos com a adrenalina após o pavor,
e depois, antes que a vaca tussa,
vamos beber um gin com o boi
e fumar setas como se fossem charutos
numa mesa vermelha onde está
um porco amarelo às bolinhas rosa florescente num tacho,
recheado de tomates cortados e frutos,
aí, bêbado que nem um cacho,
ele nos segredará que é homossexual
e finge ódio ao vermelho
para não desconfiarem dele,
nós diremos: "não faz mal,
aproveita enquanto és fedelho,
não queiras ser como o porco,
já o viste? Finge que está morto.
Ainda por cima é canastrão,
mas não te ofendas, porco,
que eu também disse isto
sem intenção nem emoção"
Eis que nos responde:
"Não posso falar, Francisco,
é que estou morto."
"Mas esta voz veio de onde?"
Antes que isto dê para o torto,
vamos mas é embora,
é que a minha imaginação começou a mudar o lugar
e a obrigar-me a escrever versos mais compridos e por aí fora
até não conseguir mais respirar este ar do qual me estou a cansar,
esqueci-me de criar o exaustor ou a ventoinha,
o único que conheço é o da minha vizinha,
já o trouxe, espero que não lhe faça falta,
mas também é para refrescar aqui a malta!
Porra, esta droga não vale a ponta dum corno,
- sem ofensa, boi, não é nada contra ti -,
é que não faz um grande efeito,
vou tomar mais um,
isto assim não tem jeito nenhum.


Drogas Abstractas do Amor

Não te apresses que o comboio espera por ti
tal como esperei estes anos todos pelo teu abraço,
ainda agora chegaste, fica mais um bocado, senta-te aqui,
conta-me as histórias das tuas viagens na minha imaginação,
estou certo que foste pintada com várias cores,
que foste a todos os lados e recantos,
aposto que estiveste em galáxias dentro de mares,
em estrelas com paisagens de montanhas, árvores e rios,
acredito que te tenhas divertido imenso,
espero sinceramente que não tenhas visto o meu espelho
nem as partes mais profundas da minha evolução,
descobriste-te, dizes-me tu?
Pois bem, não sabias que eu te conhecia
como uma luz ao fundo da escuridão,
é verdade, não sei o que está do outro lado dessa luz,
mas um candeeiro não há-de ser, pois não?
Acredito que seja algo mais natural,
talvez algo que não seja de iluminar
mas os meus olhos brilham quando a vêem,
te vêem, e faz-me inventar palavras
sem papel nem nada com que escrever
gravando como tatuagens na minha alma.
Estamos em sintonia, não?
Mas não me apetece continuar,
deu-me na cabeça e agora vou desmanchar e atrofiar.
Porque as borboletas só vivem um dia,
tudo o que é bom dura pouco, não é verdade?
Pois, mas eu só preciso de meio segundo
para te inscrever na infinidade do meu mundo...

Telhados de Vidro

E se eu falhar?
Se surgir por baixo dos meus pés um buraco infinito,
também haverás de ir atrás da minha queda acusar-me,
dizeres-me que nem sequer sei cair?
Se eu estiver em chamas vais acusar-me de não saber arder?
Se eu entrar em coma também vais queixar-te do meu silêncio?
Se o sol não nascer vais pôr as culpas em cima de mim?
Então e tu? Os teus crimes, os teus pecados?
Os teus erros, não os tens? Claro que não,
passas a vida a acusar-me e a julgar-me,
não fazes mais nada na vida!
Pois deixa-me que te diga
que essa única coisa que tu fazes na vida
é a única coisa que fazes erradamente.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O Homem Velho

Senta-se então o homem velho
com as areias do tempo nas suas rugas
desenhadas por tempestades domesticadas da sua solidão.
Os olhos humedecidos de tristezas acumuladas
como um corpo que transpira enquanto se esforça.
As sobrancelhas lutam contra o desequilíbrio
do preconceito que distancia o choro do civilizado.

O homem velho senta-se, deixando cair o corpo,
como se um fardo houvesse por sentar-se outra vez
e outra vez e outra vez...
olhos para ele de esguelha
e procuro nele um detalhe feliz mas não encontro.
Pergunto-me quem é ele, o homem velho
que respira o mesmo ar que eu de maneira diferente,
pesado, profundo...
Noto nele o silêncio obrigatório,
a pele seca e apodrecida de não ter sido abraçado...
a alma dele marcou-lhe bem o corpo,
nem consigo destinguir a diferença
entre o espelho dos seus olhos do resto da sua carne,
o mundo designou a sua postura...
mas vejo nele alguma inocência,
uma inocência qualquer...
talvez a de ter nascido.

Abstinente Vida

Absorto, completamente absorto, fora do meu corpo,
à espera, erguido pelas pernas,
sem nada fazer, sem nada dizer, sem nada querer...

Só sei o quanto o tempo passou
pelas vezes que me deram os parabéns,
porque não dou conta do sol a nascer,
do céu escurecer nem de mim a envelhecer...

Absorto, absorto, completamente absorto,
faço gestos como uma marioneta do vento,
que me vai empurrando como um barco à vela sem remos...
Movo-me por causa das correntes marítimas,
em mim não levo ninguém nem coisas, nada...
como um barco à vela sem remos fantasma,
completamente absorto...
à deriva na lentidão dos dias e das noites iguais
- se houve novas estrelas e novas manhãs não as vi -,
nos meus olhos estão panos esburacados das velas do barco
onde metade do vento passa por elas sem saber...

Não me afundo por haver algo espiritual no barco fantasma,
algo leve... algo que é como ar numa bóia atirada ao mar...
assim vou eu, absorto, completamente absorto,
vagueando sem sair do lugar...

Qualquer Coisa Romântica

Encontrei a magia dos eternos nos olhos de uma rapariga,
ela olhou para mim como quem olha para uma pessoa.

...

Os nossos olhos tocaram-se e surgiu-me a poesia
da liberdade do bater de asas dos pássaros durante o voo deles.

...

Os batimentos do meu coração empolgavam-se
como crianças a meio minuto de realizar um sonho.

...

A felicidade sorria para mim nos encantos do sorriso dela.

...

Até que o Universo concretizou-se:
A beleza do seu cheiro, o toque suave da sua voz,
os passos do envolvimento eram superior a nós.

...

É sem palavras, é sem palavras...

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Minha Humanidade

A ti, por ti e só a ti devo o meu futuro à Humanidade,
tu, que mesmo acorrentada tiveste forças para me abraçar,
que mesmo havendo só escuridão à tua volta
criaste em ti luz para eu te poder encontrar...
tu! que na imensidão da dor desesperada,
quando te só apeteceu chorar,
nunca negaste um sorriso à minha inocência...
tu! que me cobriste quando o céu nos caía em cima,
que me protegeste das balas da sociedade,
que me obrigaste a lutar nas minhas desistências...
tu! que no deserto do desespero e da angústia
inventaste um campo recheado de flores,
que me desviaste das tuas feridas e das tuas cicatrizes...
Tu és o perfeito sinónimo da luta,
fizeste-me tornar homem no dia em que as tuas lágrimas
ousaram em não querer parar,
e nesse momento, nesse exacto momento,
descobri que o mundo era mais, muito mais,
muito mais para além das janelas do meu confortável quarto,
para além da televisão, do computador, do mundo virtual,
descobri de quantas lágrimas são feitos os nossos rios,
de quantos suores são feitos os nossos nevoeiros,
de quantos gritos de injustiça são feitas as nossas trovoadas
e que não são as pessoas, nem os políticos e os seus ideais,
nem seguranças sociais ou outras caridades
que ouvem as nossas preces, os nossos choros,
os gritos das nossas lágrimas,
mas sim os céus, os céus que choram connosco,
as estrelas a lua que sonham connosco,
porque sabem que nós existimos,
que os nossos corações são feitos de carne,
da mesma carne com fim que se desgasta,
que somos humanos e temos alma,
a mesma alma que vive e sente...
Todos somos humanos,
todos existimos, todos sentimos,
façamos então o conjunto
valer o nome da Humanidade...