A inocência é a universalidade dos seres vivos, é nela que está a beleza da ignorância de quem vive acreditando.

A minha inocência foi esta:


Francisco Sarmento

Este blogue encontra-se concluído para que outro aconteça agora: http://poemasdesentir.wordpress.com/

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Eu, Borboleta

Sou uma larva,
um projecto de borboleta no chão.
Infiltra-se na minha alma a luz
que me faz renascer de mim próprio,
transformando-me numa borboleta
a vaguear entre cidades de árvores,
entre relvas, entre campos floridos...
que se esforça para ser livre num bater de asas,
ao sabor ou contra o vento.
No cuidado mas não desconfiado,
entre a honestidade e a falsidade
de uma planta que me oferece o seu pólen
ou planta bela e atraente mas secretamente carnívora.
É absurdamente nobre, no tempo do Universo
sou uma borboleta que dura um dia,
entre vinte e quatro horas a voar
e morrer depois como uma brisa que veio sem ficar.

domingo, 26 de junho de 2011

A Cozinha

Deve ser o piar dos pássaros,
o silêncio dos móveis,
os moços a gritarem no rés-do-chão,
o som quase nulo da televisão,
o ruído da máquina de roupa tão constante
que acabamos por deixar de a ouvir
tornando-se hipnotizante,
a luz do sol a entrar pela janela indirectamente,
iluminando a cozinha suavemente,
o canto junto à porta com um banco
e a mesa do lado esquerdo a apoiar o copo.

É esta a física que vejo.
E tu, o que sentes?

Um ruído de fundo da televisão
que faz parecer a rua em movimento,
um silêncio que provoca o pensamento
que te transporta para as memórias do tempo,
os raios de sol desmascaram o pó
das coisas que não se mexem
ou a escuridão da noite que dá vida
a essas mesmas coisas que te deixam só.

Essa cozinha, onde te refugias,
vives um mundo que é passado,
onde vês coisas que não devias
e fazem do teu presente um fardo.
Num mar de descobertas
a levar com ondas de Pessoa,
de Agostinho, de Sérgio Ramos,
(de outros mais que virão)
me têm trazido tempestades
de dúvidas e de confusão.

É a destruição do meu ser
a navegar em alto-mar,
para o nada que sou, ter tudo,
e reconstruir-me na forma de escrever.

sábado, 25 de junho de 2011

A Vida Foi No Tempo

Uma lágrima baloiça na pálpebra
num olhar esperançando ser mentira,
mas o silêncio predomina
como se de um pedido de desculpa se tratasse
por ter dado notícia tão dolorosa.

A dor infiltra-se,
os olhos avermelham-se,
a lágrima ganha maturidade,
os olhos fecham-se:
é hora da lágrima sair do seu ninho.
Faz a viagem pela face
e vai morrendo pelo caminho,
evaporando-se aos poucos
enquanto aos poucos o seu progenitor
perde as forças nas pernas e vai caindo
no chão, num grito mudo querendo afastar a dor.
A tristeza apodera-se num riacho de lágrimas,
nos soluços constantes e nas meias interjeições.

Como uma flor que murcha
ou uma aranha a encolher as patas ao morrer,
o corpo fecha-se ao deitar-se no chão,
ganhando a forma de como foi antes de nascer
(como se quisesse regressar ao passado,
quando esteve no ventre de sua mãe),

os joelhos juntam-se no peito,
as mãos tapam a cara sem querer ver...

A lágrima de tristeza que se evaporou,
criou um ambiente pesado através do ar,
entranhou-se no corpo de quem a respirou,
partilhou a tristeza e fê-la chorar.

Vai ficando escuro,
tudo fica paralisado.

É o fim.

Ouvem-se os aplausos e os gritos,
as luzes acendem-se,
o público está de pé,
os actores voltam ao palco,
com sorrisos na cara,
para o agradecimento.

Foi esta a última peça
neste teatro apodrecido pelo esquecimento.
Estou numa das cadeiras da plateia
e, com os meus olhos,
transformo o que fora tudo,
com a memória, o que é nada.

Todos seguiram as suas vidas,
mas este teatro ficou,
à espera de ser acolhido por alguém,
é a morte de um passado cheio de glórias
e o fim do que aqui se vivera,
já não passam de memórias.

Ultramar - Abandonados No Oceano

Esquece esses malfeitores, irmão,
não te preocupes se eles te vierem buscar,
deixa a guerra e ensina-me a ser criador
de um mundo que nunca aparece na televisão.
Dá-me um abraço sempre ao acordar,
sais de casa descansado
mas logo podes não voltar.
Tens uma família que precisa de ti,
a guerra pode estar à nossa porta
mas ainda não entrou.
Não fujas, não te escondas,
a nossa casa não é segura
mas não há outro lugar
onde tu possas descansar.

Olho para a porta da casa
e sinto próximo o dia
em que a mesa terá um lugar vazio,
em que não conseguirei comer
por pensar que estás ao frio,
na noite escura, com uma arma na mão,
sozinho, a matar para não morrer.

Sinto-me enjoado, meu irmão,
sempre foste anti-violência,
mas que lhes interessa?
Foste obrigado,
destruíram todas as tuas crenças,
criaram um cancro na tua alma,
os pesadelos, os sustos,
a apatia, as lágrimas,
a perna ferida...
agora não tens trabalho,
a guerra acabou,
a tua vida foi esquecida,
onze anos e o Estado não pagou.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Poemas Duvidados

Preciso de ti, inspiração,
estou estancado,
puseram em questão
a forma da minha mão,
já não passas de um caderno abandonado
onde outrora escrevi
mil poemas e projectos
perdidos, sem temas concretos.
Onde estás meu poeta, que te choro,
se és realmente, escrevo agora,
por não saber onde moro
com tantos poetas que há,
não quero ser um mas o poeta.
Tempos eram a apanhar outro cacho
do meu profundo afecto
mas agora parece que cheguei ao fim do tacho.
Tudo o que deixo por escrever
é desinteresse ou cansaço,
desinspiração ou fracasso?
O que é que eu faço?
Esperar em desespero
pela identidade que me confortei,
de um escape onde chorei,
senti e amei?
Vejo poemas amaldiçoados
por dúvidas, completamente desamados.
Triunfei-os numa outra hora
em que dava por finalizados,
agora, já não passam de palavras vazias
de alguém que fui, por amor que dei,
já nada tenho, já nada sei...

sábado, 18 de junho de 2011

O FMI pode me emprestar dinheiro? É que também fui enterrado (e foi em areia movediça: quanto mais me mexo, mais me enterro, mas se não me mexo sou enterrado) por causa das más vontades. Sei que o FMI ajuda-nos puxando-nos através de uma corda no pescoço, mas ao menos não vou ficar sem conseguir mexer-me debaixo da terra, é que debaixo da terra estão os mortos.

Para Anjo Lurdes

Chorei lágrimas sobre o teu corpo
na esperança que acordasses,
para que eu te dissesse adeus
ou outra qualquer despedida
que não fosse como fora:
um par de beijos na cara 
dum olhar inacabado.

Morreste a servir
um cadáver vivo,
que não fala nem sente,
e por ela te crucificaste,
anjo, e por ela
morreste inocentemente.

Agora que foste embora,
abandonaram esse corpo
ao qual prestaste serviço,
de nada foi teu meio século,
minha árvore da vida infértil,
meu sol sem planetas...

Tornaste-te um anjo,
só te faltava asas
e agora já as tens.

Nasce outra vez
e responde-me
se esta desumanidade 
demoníaca
tem os seus 
porquês.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Ninguém destinou o que sonhei
na realidade que passei
onde não fui rei nem reinei
mas comando o sonho
que me faz viver
nesse mundo que só
me quis ver sofrer.

terça-feira, 14 de junho de 2011

O Meu Registo Mental

Sinto-me preso,
preso à realidade
desconhecendo a imaginação
que me traz inspiração.
Quem sou eu?
Serei realmente poeta?
Ou não passo de um profeta
da sociedade que me afecta?
Há poesia nos meus versos?
Duvido, não a sinto,
mas sei que já a senti,
também não me lembra de ter escrito
o sentimento com que escrevi.
Talvez sejam, poemas meus,
fases temporais do meu ser,
períodos que se desvanecem
no tempo em que estou a viver.
Não me atrai a poesia
por não a conhecer.
Vida que quero ter,
essa alegria não faz parte de mim.
Os meus poemas não são
senão meras palavras que dizem:
"Eu estou assim..."

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Guitarra Portuguesa

Preciso de Te ouvir, 
minha Guitarra Portuguesa,
entra no meu peito que Te quero sentir,
quando Te ouço sinto-me Português.
Canta para mim a Tua beleza, 
que me lembras a Pátria,
o orgulho das nossas conquistas,
do grito do nosso Povo, 
do amor à dor,
em tudo o que já passámos,
Portugal, olhos meus da Tua cor.

domingo, 12 de junho de 2011

Montanhas De Pessoas

Como um triângulo
de cima para baixo,
de uma pessoa para multidões,
o gelo está onde não batem corações.


As fontes são feitas das tristezas
de quem se encontra por baixo
e quanto mais abaixo mais riachos se juntam
formando rios, rios que separam montanhas iguais.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A Criação Dos Meus Poemas

Arranquei as minhas próprias veias
para desenhar as linhas dos meus cadernos.
Vomitei o meu sangue para encher esferográficas
e pintei teias entre o mundo e a minha vida.
Fui para os maus caminhos
e espetei os pés entre agulhas e facas com firmeza.
Arranquei os meus dedos com os dentes,
engoli-os para pesar a minha culpa
entre a opressão e a fragilidade.
Recusei-me a respirar a poluição,
enfiei uma mão dentro da minha boca
e arranquei os meus pulmões.
Espanquei o meu crânio contra a parede
até ficar com a mente louca.
Arranquei toda a minha pele
para fazer dela o meu mundo da escrita.
Decapitei as minhas orelhas
para que não fosse influenciado pelas ovelhas.
Destruí todos os meu pêlos para ficar mais vulnerável
e sujeito a tudo o que não é palpável.
Retirei a minha carne e deixei só o esqueleto
para vestir o meu corpo com a minha alma.
Os grandes Anjos vieram dos infernos,
desenvolveram-se através do abandono do demónio,
vivos e alimentados pelo mais extremo ódio.
Desorientados pelo desamor,
criaram feridas existentes sem provocar dor.
Afogados nos mares da tortura,
perderam as asas e ganharam corpo
para pintarem o Mundo com alma e amor.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Poeta A Ler Leitores

O bêbado
na rua vai,
a descê-la,
apoiado na parede
vai o bêbado e cai.


O bêbado,
bebe ao vício
mas não é viciado.


O álcool,
o álcool que não cura feridas,
o álcool,
o álcool inflamável,
molha e apaga o sol.


Uma foto
um desgraçado
a desgraça
o álcool
comentários
lol.


Estupidez...
o leitor...
ri...
desgraça...


Poema...
ri...
desgraça...
leitor...
poeta...
chora...

terça-feira, 7 de junho de 2011

Recrutamento Da Humanidade - Guerras Sociais

Se não aguentas com eles,
não te juntes a eles,
ATIRA-TE DE CABEÇA CONTRA ELES!!!!
Mas vai preparado,
com pilhas de memória carregadas,
para quando te sentires cansado.
Veste um colete de verdades
pois eles vão querer dar-te ilusão.
Usa capacete
pois as cabeças deles são de cimento,
Também vais precisar de uma arma
com balas anti-vento,
ou eles falam somente de momento.
Tatua no teu peito a Humanidade
pois em momentos de tensão,
vais sentir o medo que traz a opressão.
Arranja-me ai um lugar,
estamos juntos nesta luta
contra a guerra invisível,
não vou ficar a olhar,
a minha alma não é prostituta.

Eu Compreendo-Te E Te Abraço

Inúmeras foram as vezes
que não quis estar aqui,
que pensei não haver solução,
que chorei sem ver alegria,
que fiquei na cama sem me levantar,
que não vi o sol,
que não lutei,
que me deixei ir,
que simplesmente não tive vontade,
que senti o fim da vida,
que houve um vazio no corpo,
mas se estou aqui
é por alguma razão.
Se precisas de luz
então abre o teu coração
e deixa-me dar-te a minha mão.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Medo E Insegurança - Solidão, Eu Não



Nunca estou sozinho,

ainda escorre sangue nas minhas veias,

sangue do meu Povo e da minha Pátria,

ainda tenho coração feito pelo criador,

inventado pela Humanidade e pelo Amor,

estou sempre acompanhado,

nas minhas costas levo uma história,

das gentes que conheci, boas ou escória,

dos momentos que me fizeram quem sou.




Tomo banho com a solidão mas sei para onde vou.




O compasso da vida caminha com ritmos

que inspiraram músicos e compositores,

grandes profissionais ou amadores,

identificado-me na sua universalidade,

não ando sozinho, eles teceram a igualdade.




Conhecido ou desconhecido,

vencedor ou vencido,

justo ou bandido,

vão falando de mim,

sozinho não estou,

eles acompanham-me assim.




Não estou sozinho,

há sempre alguém disponível

para me tornar audível.




Estou sempre acompanhado

pois estou seguro de mim,

ando com determinação,

coração e razão,

é tudo o que preciso

para me ser conciso.




Nunca estou sozinho nem quando morrer,

alguém há-de chorar, sofrer...

Que interessa quando já estiver morto?

Façam o que quiserem,

eu já estarei completamente absorto.