A inocência é a universalidade dos seres vivos, é nela que está a beleza da ignorância de quem vive acreditando.

A minha inocência foi esta:


Francisco Sarmento

Este blogue encontra-se concluído para que outro aconteça agora: http://poemasdesentir.wordpress.com/

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Voar. Voar aos mais altos céus
e mergulhar até ao chão por explorar,
flanquear as árvores, acompanhar aves de rapina,
acima das nuvens, chupar uma nuvem com uma palhinha,
cumprimentar o sol, mergulhar do ar para o oceano,
a mais alta velocidade, deixar-me cair,
infiltrar-me na água, às profundezas
e encontrar libelinhas na sua escuridão.

Andar por baixo de água e dançar,
pegar num peixe-balão para fazer dele uma bola de basket,
caminhar entre cardumes.

Voar. Voar por baixo de água,
descansar à sombra de uns pares de corais,
provocar um nevoeiro de areia,
encontrar uma bota de há sete séculos atrás
e calçá-la, substituir as estrelas-do-mar pelas do céu,
saltar com a gravidade da lua,
ser engolido por uma baleia.

Acordar na Antárctida,
com um urso a dar-me duas bofetadas, levantar-me,
ter uma multidão de pinguins especados a olharem para mim,
quebro o silêncio, digo timidamente olá,
não há reacção, um pinguim aproxima-se curioso,
bica-me com jeito a ver se não me quebro como uma estátua,
decido fazer o que os meus antepassados primitivos faziam:
gritar. Levantar os braços e gritar.
E também correr. Correr de olhos fechados.
Um ursinho põe a pata para eu tropeçar.
Tropeço. Caio. Bater com a face no gelo.
Virar-me para cima, deitado.
Ursinho fofinho a olhar para mim.
Levanto-me. Fico de joelhos.
Olho para ele. Admiro-o.
Ele olha para mim com o focinho jovem.
Tão fofo.Dou-lhe uma festinha na cabeça.
Morde-me. Trinca-me a mão.
E eu grito. E todos o pinguins gritam também.
Questiono-me assustado com o bicho.
O bicho olha para mim.
Com voz rouca de velho diz:
Entrega esta mensagem aos da tua laia.
E dá-me um pontapé na canela.
E dói. Dói. Dói. E ele vai-se embora.
Fim.

terça-feira, 29 de maio de 2012

O Nevoeiro de Lefranq

Eu sou o Vingador!
Todas as minhas veias estão quase a rebentar de tanto matar!

São garras, meus senhores, são garras que tenho nas minhas mãos!
Com elas, trezentos mil homens cairão sem cabeça, estão a ouvir-me?
Eu posso cortar-vos ao meio! Separar as vossas cabeças!
Não me exaltem! Não me provoquem!
Vocês não sabem do que sou capaz!
Tenham cuidado!
Eu tenho veneno no meu sangue!
Não se aproximem de mim!
Morrerão de dores se me tocarem!
Não me subestimem!
Eu sou a desgraça das vossas vidas!
Torno-me maior por cada lágrima que o mundo chora!
A desgraça do mundo vem de mim, estão a ouvir-me?
Eu sou a origem da devastação!
Vocês implorarão a minha clemência, a minha piedade, mas só terão a minha alegria! 
Nunca se esqueçam disso!
A minha alegria vem do vosso sofrimento!
A minha alegria é o vosso sofrimento!
Não preciso de ninguém!
Três mil anos passarão depois da minha morte
e ainda o mundo estará a recuperar da minha existência!

Mastigo-vos!
Devoro e mastigo as vossas vidas!
Eu crio as vossas desgraças através dos meus pensamentos!
Toda a terra que eu piso torna-se infértil!
O mundo pertence-me, meus senhores!
Tentem!
Tentem passar-me por cima!
Todos cairão mortos!
Todos aqueles que me tentaram passar por cima!
Eu matá-los-ei! Assassiná-lo-ei! E rir-me-ei! 
Estão a ouvir-me?
E ri-me-ei tão alto que os pássaros não ousarão levantar voo!
Toda a terra treme à minha passagem!
Temam-me!
Eu assassinei a Morte!
Eu sou a Morte!
Não queiram cair nas minhas mãos!
Eu esmagar-vos-ei!
É suicídio, meus senhores!
É suicídio enfrentarem-me!
Eu sou o colapso do mundo!
Eu sou o caos e o fim do mundo!
Sou eu que assino as vossas desgraças!
Não vale a pena lutarem!
Vocês não passam de personagens na minha mão!
Eu sou o vosso destino!
Engulo-vos!
Os ácidos do meu estômago rompem os vossos tecidos!
Nem os ossos sobrarão!

Vocês cansam-me... a culpa é vossa.
Estas quatro paredes não me deixam viver...
mas eu vou mais longe que isto.
Que a merda destas quatro paredes.

Estaria menos abafado aqui
se não tivesse um cabrãozinho com tiques de puta
a apontar-me o dedo...
Vamos recomeçar o que nunca parou...
Só termina quando eu me concretizar.
Mas todos os que estiveram nas estrelas, esses, que nunca foram estrelas e que caíram, caíram sozinhos. Não nascemos com asas, é o amor dos outros que as cria, esse amor vem de nós e dá-nos um lugar no céu para sermos uma estrela. Esses sim, estão acima do povo, porque nas vivas acções que outrora praticaram foi ao lado dele.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Estou aqui nesta varanda.
A noite já se faz tarde.
Um candeeiro ilumina o caderno.
A música repete-se.
Assim se repetem as palavras...

Procuro o que não encontro.
Algo do género parecido com o que nunca vi.
Não sei por onde procurar,
talvez até tenha passado por mim
e eu não me apercebi.
Não sei descrever.
Não sei se devo continuar
ou esperar que venha ao meu encontro,
às tantas andamos às voltas
e por isso ainda não nos cruzámos.

Eu sou o realista que busca o mistério.
Talvez seja da vida, não sei dizer...
É tudo tão talvez...

Se ao menos me trouxesses o segredo oculto,
estes pés já me pesam de tanto ser realista,
os sonhos já se me acabaram,
já não quero mais ver...
só desejo amar
e adormecer nos braços de quem me ama.

Mas só sei escrever...
Viver pelas palavras que escrevo
mas as palavras que escrevo são do que tenho vivido.

Olhem para mim,
sem fazer nada pela vida,
este governo destrói-me os sonhos,
já nem consigo ir a lado algum.
E vejo tão nitidamente a corrupção,
já só me falta não ter coração para virar terrorista
e enlouquecer num canto qualquer nu
onde as pessoas olhem de lado
e comentem e critiquem e receiem...

Como é que os outros não vêem que nos matam?
Aos poucos vão destruindo a minha alma,
roubam a luz dos meus olhos,
a sinceridade do meu sorriso
e o brilho da minha alma.

Quem critica o desespero
não sabe o que é o sofrimento.
Para chegar à decadência da desgraça
é preciso resistir primeiro até já nada restar.
É assim que o meu tempo passa,
os ponteiros rodam e o mundo desacontece...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Tenho mais palavras que razões.
Mais caminhos por caminhar
que opções por tomar.
Entre sonhos, por cá se diz,
que relativo é tudo o que eu quis.

Tenho tantas queixas para fazer
que não há tempo para viver.
Metade queixar, metade trabalhar,
intervalado por descansos
sem parar de pensar.

Eu escrevo e as horas passam
aproveitando o tempo morto para descansar.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Caiu sobre a foz de um rio.
Foram águas de tristeza.
De uns olhos quaisquer sonhadores.
Mas que sonhos poderemos sonhar se vivemos numa mentira conjunta.
Com realidades individualistas em certezas do passado.
A nascente cresce da montanha.
Quanto mais o riacho desce maior se torna.
Porque mais abaixo há mais pessoas.
E há mais pessoas que choram.
Será falta de árvores e da sua harmonia.
Será a decadência das suas podres folhas que já foram belas.
Será a carência de animais que rugem quando se lhes aproximam.
Será o que interpreto do mundo.
Que é a única pena com que escrevo.
Não conheço outra pena que não a que construí.
Sozinho. E contudo, precisei de outros para construi-la.

É uma luta constante.

Enterro-me no sofá.

É assim que luto contra a preguiça de viver:
criando sentenças irreais sobre a realidade
que está para além das janelas do meu quarto.
Sei que são erradas.
Tenho a certeza.
Mas o que me faz não sair do quarto é por acreditar nelas.
Mentiras. Sentenças, mentiras e falácias.

O que é certo é este cigarro que agora acendo.
Para satisfazer a ânsia de fumar.
Depois esta certeza de que é cigarro morrerá num futuro próximo.
Desaparecerá. Esfumar-se-à.
E o que fora uma certeza existencial de um cigarro
deixará de o ser para ser uma memória
que se desvanecerá com outras memórias.
E a certeza de ânsia de fumar substituirá a certeza de não ter ânsia de fumar.
E tudo volta a repetir-se.

Isto é a vida de muitos.
Só não é para muito poucos:
os que não têm vida.

Palavras mentirosas e falaciosas...
Absurdo sou eu,
que escrevo com tudo
e fico com nada.

Penso em ti quando escrevo este poema, sabes?
Escrevo com tudo porque me entrego e te o entrego.
Mas tu não me dás nada.
Porque a tua apreciação resume-se a dizeres-me que gostas.
Uma mera palavra dita.
Que já se esquece antes de ser falada.
E dissipas todo o nevoeiro que é sentimento...

Afinal, não te dei tudo.
Afinal, dei-te um conjunto de palavras organizadas
para que soe bem no teu ouvido.

Mas eu dei tudo.
E não te chegou ao coração.

Sou sincero.
Os meus poemas são mais sinceros que os meu próprios olhos.
E tu... gostas!
Ou sou eu incapacitado como poeta.
Ou és tu deficiente em palavras.
Ou uma terceira opção à tua escolha.

Não procuro elogios,
procuro palavras que completem os meus poemas.
Não procuro perfeição,
procuro estrelas para ocuparem o espaço do meu universo
e que iluminem a sua imensa escuridão.
Enquanto isso,
vou construindo pontes sobre rios que não existem...
Desconfio das minhas mãos,
olhando para trás,
para os poemas escritos por mim.
Que outrora escrevera como se fosse eu próprio esse poema.
Ou esse mesmo poema fora minha alma.
E agora estão enterrados, esquecidos.
Agora, deixaram de ser poemas vivos
para se transformarem em fósseis de outros tempos.
Abandonados.
Assim como este que escrevo agora.
Com lágrimas emotivas quase visíveis.
Quando chegar ao último ponto final deixar de ser meu.
Deixa de ser eu.
E passa a ser mais um para a colecção vazia.
Que por muitos poemas que tenha será sempre vazia.
Faltas-me tu. Ou algo. Ou alguém.
A colecção de poemas que já só serve para mostrar aos outros.
Principalmente para os que não querem ver.
Ou nunca viram.

Podre de mim, que bem tento.
E no meio destas tentativas falhadas
constato um ciclo vicioso, irónico, ridículo e absurdo.
(E tudo o que é absurdo nunca existe.)
Talvez me espera a máxima ironia de poemas meus conhecidos
aquando de mim morto.
Ou talvez tudo isto seja uma ilusão.
Uma fase passageira.
Como uma nuvem que se ergue no céu.
Uma nuvem passageira que por chorar incomoda a pequenez das gentes.
Eu sou uma nuvem passageira e o céu é o meu mar.
Tenho de me ter mais para chegar mais além do céu.
Mais universal por dentro. Dissolver no ar o que sou.
E ser o que está à minha volta:
o céu e tudo o que ele contém.
O oceano que por baixo de mim está é espelho distorcido.
E tento ver o que está para além dele:
a Realidade.
Os peixes, as plantas marinhas, os mamíferos, as mais pequenas células...
Infinita possibilidade de vidas...
O Possível e o Impossível.
O que aconteceu e o que está para acontecer.
A Vida.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

À Parte Do Mundo

Não conheço mundo algum.
Só conheço o meu que tanto desconfio.
O meu mundo confuso e desarrumado.
Não sei se isto são cacos do meu mundo.
Ou se cada caco é um mundo.
Sim, acho que tenho mais que um.
Nem sei qual deles é o verdadeiro.
Não sei se estes lençóis são feitos de sonhos.
Não sei se é de mim que desconfio quando desconfio dos outros.
Não sei olhar o mundo senão a janela que ninguém vê.
E passam sempre por ela.
Tanta gente que no comboio vai.
Como eu.
Não sei se pensam.
Mas eu penso.
Pergunto-me se são máquinas...
Tão rotineiras.
Até o repouso delas é rotineiro.

O meu mundo é preto da escuridão.
E o sol aquece o planeta com luz branca.
O preto da escuridão e o branco do sol aglomeram-se no que está fora de mim.
Na realidade.
E vejo o que vejo à minha volta a preto e branco.
Completamente sem sabor...
Metade do que vejo é meu.
A outra metade é do mundo.
Do mundo que é o mesmo mundo dos outros mundos.
É um mundo que ninguém lhe dá cor.
Não somos pintores.
Não somos criadores.
Somos repetições que trabalham oficiosamente repetidamente.

Somos cada um uma tela.
Telas com tintas permeáveis.
Quando a realidade chove essas tintas desaparecem.
E florescem cores originais aos poucos nessas telas.
Mas primeiro tornam-se pretos.
Por causa da humidade da tristeza.
E entendem o mundo no ponto de vista totalmente diferente.
Mais real. Mais original. Mais incomum.
Sim. Tornam-se telas pretas.
E vêem de maneira diferente.
Porque a tela nasceu branca, sem nada.
Um nada com tudo.
Um nada que pode ser tudo - até o impossível.
Um tudo que se converge nalgo.
Mas somos todos iguais.
Ninguém tem a sua própria cor.

Eu tento pintar a minha tela.
Mas a minha palete de madeira só tem madeira.
Eu sei que não tenho as minhas próprias cores.
A ilusão mostra cores invisíveis.
Talvez porque só eu as conheço.
Porque só eu é que me conheço.
E tento pintar a tela.
Ferindo-a. Esburacando-a. Destruindo-a.
Tentando desesperadamente acreditar que vejo.
Mas tudo o que vejo é nada.
Um tudo que é nada porque o mundo que sonhei não aconteceu.
Mas o mundo que sonho é um mundo que não existe.
Um mundo que sinto falta.
Por isso o sonho.
Nem sei porque o sonho.
Nem sei porque estou vivo.

Estou aqui.
Já aconchegado ao meu próprio desespero.
Um desespero sem palavras.
Desespero a saudade de algo que não tenho.
Nem nunca tive.
E por isso não há palavras para isto.
Porque não sei quais são.
Nunca tiveram na minha alma.
É um buraco. Um vazio que arrasto.
No entanto não sou pessimista.
Apenas não conquisto quando acredito que não conseguirei.
Que é quase sempre.
E mesmo que conquiste nunca vale uma festa.
Porque eu fico feliz com as mais pequenas coisas da vida.
Aquele minuto. Aquele milésimo de segundo.
Um sorriso. Nada mais me apraz que um sorriso.
Porque não o tenho.
Tu tens o meu quando sorris.
Não é egoísmo.
É amor e partilha.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Estou cansado.
Já nada me interessa.
Cansa-me os olhos.
Tudo isto.
Tudo o que está à minha volta.

Mentiras, mentiras e mentiras.
Mentiras que eu vejo.
Mentiras que eu vejo mas mesmo assim continuam a ser mentiras.
A realidade, ao defini-la concluo sempre que é uma mentira.
Na perversidade, no desejo que se tornaram objectivos sociais.
É mentira.
É mentira ser poderoso, é mentira ser alguém para alguém, é mentira o tentar e o dizer.
É tudo mentira.
Uma enfadonha mentira que estou sempre a ver quando não sonho.
E canso-me. Porque já não sonho.
Acabou-se-me a irrealidade feliz e pacífica.
Até estas duas palavras são mentira.
Não estão ao nosso alcance.
Somos mortais.
Só a morte e o passado são reais.
A morte que mata a mentira.
O passado que mentiu e ocultou.
O passado real e aldrabão.
Porque o interpretámos como mal o sabemos fazer.
Até a interpretação dos sentidos é uma mentira.
Uma ilusão de factos baseado em detalhes.
Que massada.
A massada que se queixa e se massa com as massas.
Até a massada é hipócrita.
E a hipocrisia é apenas um jogos de aparências.
Ou por outras palavras, uma mentira.

Só sei que é real os objectos.
E nunca os electrónicos que até esses nos mentem.
Apenas cigarros.
Cigarros que não falam.
Cigarros que no acaso ou sem acaso nos levam ou não à morte.

Os cigarros, que tanto apraz ao fumador.
O fumador, que tem o poder de expelir fumo pela boca.
Um poder sobre-humano.
Imortal.
Sem se lembrar que poderá morrer com o cigarro.
Ou não.
Ou morrerá desafectado pelas toxinas do tabaco.
Que amanhã poderá morrer atropelado.
Ou esfaqueado por um louco.
Ou num acidente de comboio.
Ou numa queda partir o pescoço.
Ou morrer electrocutado.
Ou as infinitas possibilidades para determinar num fim: a morte.
Mas durante esse tempo o fumador fuma.
E quando fuma deixa de ser ser humano.
Passa a ser o fumador.

O fumador que fuma.
Um produto numa prateleira qualquer.
Muito bem categorizado por um acto:
o de fumar, que o torna fumador.
E para mais um fumador de ganzas.
O cabrão do fumador de ganzas.
Que por fumar ganzas deve ser preso,
sem nunca ter feito mal a ninguém.
Porque o fumador de ganzas é carocho.
E os carochos são nojentos e atrofiados.
E portanto devem ser posto atrás das grades ao lado de assassinos profissionais comprados pelo Estado.
Ou então devem ser desprezados e abandonados.
Os carochos.
Mas o que será pior?
O carocho ou o carente?
O carente, que nunca existe em pessoa por sermos todos nós.
Carentes.
Carentes escondidos.
Carentes não assumidos.
Carentes que agradam os outros.
Carentes falsos e mentirosos.
Que vivem na ilusão do ser que o outro pensa desses carentes.
E a ilusão é mentira.
Também é mentira a paixão que não é eterna.
A língua portuguesa morreu.
E por isso vício, paixão, sexo, amor, gula, obsessão... é tudo igual.
E quem pensa correctamente é diferente.
Ou quem simplesmente pensa.
Ou quem usa os sentidos.
Os sentidos que absorvem factos.
Factos que não se argumentam.
Factos que se alteram.
E eu vejo os factos.
Os implícitos e os explícitos.
Mesmo que não os veja.
E critico os cegos, os surdos e os que falam.
Enraiveço-me.
Por o serem.
(Por terem boca.
Mas eu também tenho boca.
Uma boca que fala.
E que fala. E que fala.
E que fala. E que fala.
E que fala. E que fala.)
Que o são porque assim foram ensinados.
Ensinados como humanos personalizáveis que somos.
E eu sou hipócrita.
Porque critico.
E também porque não faço.
Mas tenho consciência.
E por isso sou o dobro da hipocrisia.
Sou um mentiroso que acusa e critica as mentiras que o mundo se tornou.
Sou um mentiroso diferente.
Porque acusa a mentira social.
E tenho razão.
Talvez mais quando me chamo mentiroso.
Porque espero.
Sem saber o que esperar.
Mas ironicamente espero.
Mas também vagueio.
Na dúvida e na desconfiança.
A pisar o chão muito cuidadosamente.
Não quero perturbar ninguém que não perturbe o sistema.
Como todos os intelectuais que passam as tardes em conversas e críticas sobre o País.
Mas quando piso com firmeza é sempre na altura em que vou falhar.
Porque não há chão, há ilusão.
Há a miragem.
E eu sei.
Mas agora tenho a certeza.
Porque caí.
E só me apercebi quando me aleijei.
Apesar disto já sabia da ilusão.
Mesmo exactamente antes de pisar.
Aqui.
No meu sub-consciente.
Mas é quase involuntário.
Não me consigo controlar.
Como se já estivesse a cair antes de pisar o buraco iludido de chão.
E digo que é previsível.
Mas continuo. E queixo-me.
E não consigo controlar.
Isto sim é sobre-humano.
E natural também.
Ou nada. Ou relativo.
Tão relativo que mais vale fumar.
Um cigarro.
Ou beber água.
Ou ir à casa-de-banho.
Ou qualquer outra coisa qualquer.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Confusões

Palavras cheias de nada,
por aqui e ali ainda se ouvem críticas,
todos falamos e comentamos
o que se anda a passar,
sentados criticando
que ninguém faz por mudar.
Acendo um cigarro,
penso para os meu botões
o que hei-de fazer pelos outros
mas primeiro tenho de me fazer
apesar de não encontrar razões
para ajudar estes loucos
e que mais valia deixá-los apodrecer.
Mas tudo bem,
não façamos por quem não mereça,
mas também eu sou quem,
na verdade só sei de mim
e mesmo assim
não sei quando devo sentença
porque o ponto de vista
é a falha de quem se apela altruísta.
Estou numa confusão tal
que pensar no suicídio
considera-se algo normal
em circunstância 
de martírio.
Mas à contradição
me acrescento
por crer que há sempre solução
e é por isto que não comento.
Nunca chego a conclusão alguma
encontro sempre mais uma
excepção perdendo-me num labirinto
tão grande que em termos de memória
tem o mesmo efeito que muito vinho tinto.
Acendo mais um cigarro
enquanto o comboio dá sinal de entrada,
estou sentado na estação
à espera dele, à espera do quê?
Porquê? E tudo começa a desenvolver
para me perder e obrigar-me na relatividade
que se torna a tudo o que chamam de viver.
Mas que pachorra tenho em pensar
é como andar de comboio,
no final acabo por morrer
por ser esquecido e desaparecer,
ridículo sou eu que estou aqui sem prazer
para ser levado por um comboio cheio de anormais
que me julgam um ser estranho,
que me avaliam e fazem apostas
para adivinhar de onde venho.
Mas que paciência eu tenho,
mais vale acender um cigarro
que tanto me apraz
para ter de acender outro
depois porque o tempo passou
e o que ficou, ficou para trás.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

A Esperança Espera

As pedras do riacho
que ali estão
são feitiços que acho
na solidão.

Onde passa a água
passa o tempo
na pedra parada
que o vento trespassa
como um sentimento
que à pedra ultrapassa
com esperança de ter sorte
nas próximas vazas.

"Talvez ganhe um par de asas
sem ser entregue pela morte",
pensa a pedra esperançada
admirando o céu
enquanto tudo o que faz...
é rigorosamente nada.

E a pedra
deixa-se dissolver
pela água que passa
como o tempo...
deixa-se corroer
pelo vento que trespassa
como um sentimento...

É assim que se desgasta
a pedra da pobre casta
que à esperança se entrega
num nada feito que assossega
para que a espera não a desespere
tornando relativo todos os sonhos
que ela tiver.


Aonde estás, acção?
O que não é preciso ter é esperança
mas sim determinação
porque o tempo avança
acumulando à pedra
sonhos e sonhos por realizar
enquanto o peixe
não reza, aliás, até despreza
desprendendo-se de sonhos
porque sabe que fazer é completar.

Acreditar é para quem duvida,
quem concretiza é quem está certo.


E o peixe contra a corrente nada
e nada encontra na sua frente
senão mais um arrastão
mas enquanto avança
vai ganhando mais razão,
nada tanto que se cansa
mas a força está no coração
e substitui qualquer músculo.

Concretizar a acção
é retirar o sonho dum crepúsculo,
nesse quadro onde o horizonte
inalcançável é pintado pela esperança.

A mesma esperança
que se alimenta de sonhos
por concretizar...

O peixe tem de lutar
porque...

o que é gratuito
é para a alma prostituta
que assim desfruta
com o intuito
de agradar,
mas isso é uma fruta
que apodrece
quando descobre o que é amar.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ainda me lembro
da inocência do tempo,
desse mesmo tempo
que assim, de um momento
para o outro nos atraiçoou...
tomara eu continuar
ingénuo e inocente,
mas tudo isso morre
quando nos apercebemos
da dor das nossas gentes
e ousamos viver
como se nada soubessemos...

terça-feira, 8 de maio de 2012


Eles são vampiros,
sugam-nos o sangue
e a vontade de viver.
O Povo observa a lua
em esperança e por sonhos
mas a lua é mentirosa
e os políticos vão enchendo as estrelas
com ilusões e fantasias
e muitos de nós desistem,
cabis-baixos, sem mais olhar para o céu
enquanto eles lutam pelo réu,
mas a lua está a ficar cheia
e os nossos lobisomens
já não querem ser mais homens,
transformaram-se em lobos
para vingar as lágrimas desesperadas
e vagueiam nas sombras das ruas
com vontade de devorar a carne,
com sede de sangue
vão-se descontrolar.
Os vampiros transformam-se
quando querem
mas os lobisomens
são mais fortes
porque têm de serem exitados
e quando se transformam
só param depois de várias mortes
desses filhos-da-puta
que os apelidam de cães do inferno
mas a verdade é que eles vão trazer
o que conquistámos em tempo
e vão assinar e assassinar
por cada momento
em que a tristeza e a apatia
veio para festejar a hipocrisia
de trinta e oito anos de democracia
de uma ditadura mascarada
com várias caras
alimentadas pela corrupção,
alimentada pela ignorância.
Um dia a guerra será declarada,
o Povo ouvirá a sirene
e vai como foi a armada,
nenhuma bala
cala a voz de um Povo
que fala e ergue voz.
Dispostos a morrerem
por tudo porque nada têm,
sem sangue nas veias
entrarão e entranhar-se-ão
enquanto os políticos
mais uma vez se vêem
ao tratarem o Povo
abaixo de cão.
Cairá sobre nós uma guerra civil
para trazer o sangue
que não houve
no falhanço do 25 de Abril.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Eu corro
em corridas
para escolher
para que lado
morro...
Não consigo dormir
porque sonhos não me deixam a sorrir,
com medo que ele entre
a qualquer momento,
porque eu sei,
sinto-o a chegar...

Nem dou pelo tempo passar
quem quis ser, onde quis estar,
não sei quê viver,
porque estou a pensar
somente escrevendo por escrever
apenas por rimar.
E não consigo parar,
porque não tenho tema
e assim degrada-se a merda do poema.

Mas eu estava a escrever?
Epá, esqueci-me...
também já não quero saber...
Foda-se, estou me a cagar,
é só rabiscos e rabiscos por acabar
tudo porque me ponho a vaguear
na confusão que se tornou a reflexão
quando bombeado pelo coração,
porque o sentimento não sente a razão,
e fico na ilusão que a escuridão oferece
mas nem assim há imaginação que me preze
e sento-me na canto da solidão
à espera mas a minha alma não esquece...