A inocência é a universalidade dos seres vivos, é nela que está a beleza da ignorância de quem vive acreditando.

A minha inocência foi esta:


Francisco Sarmento

Este blogue encontra-se concluído para que outro aconteça agora: http://poemasdesentir.wordpress.com/

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A Explicação de João

Uma vez cruzei-me com o João,
o João que levava uma faca na mão,
vítima de descriminação,
escorria-lhe sangue do corpo,
andava parecendo um morto
por isso toda a gente se afastava,
mas o que não sabem
é que a alma dele também sangrava,
ele estava inchado, cheio de nódoas negras,
mas o que eles desconheciam
é que a sua garganta também estava inchada,
fechada, trancada, acorrentada ao silêncio da opressão,
porque ele tinha cadastro a dar com um pau,
não havia gesto que fizesse que não fosse acusado,
todos se afastavam da sua raiva como ímanes
mas não sabiam que ele desejava no fundo ser abraçado,
que desde o primeiro dia da sua vida estava condenado
a implantarem-lhe a ideia nos seus tímpanos
que ele era malvado e por mais que fizesse
as lágrimas escondidas e abafadas
iriam cozer-lhe os tecidos do seu corpo,
todos o acusaram, se afastaram,
até ao dia em que tudo foi para o torto:
os seus gritos sem dicção arrancaram-lhe o coração
de sentir-se sem saída, de toda a sua vida parecer fantasia,
porque às vezes essa é a única esperança que nos resta
na sociedade voraz que não nos empresta um pedacinho de paz
para que o tempo continue a ser capaz
de existir sobre a nossa pulsação
sem que percamos totalmente a razão.
Assim João, cansado de um destino traçado,
encontrou a Morte num sonho,
e perguntou-lhe se tinha um lençol
que afastasse este mundo medonho,
mas até ela lhe negou uma nova visão sobre o sol,
e João acordou sem querer, a enlouquecer,
querendo vestir as vestes da Morte,
pegou numa faca e apontou à garganta
lançando pragas à Humanidade,
até se aperceber a origem da sua realidade,
a perplexidade da conclusão foi tanta
que as lágrimas pararam de sangrar,
apercebeu-se que foi posto
num canto onde não havia encosto,
onde não havia para se deitar
onde não havia ar para abraçar
então decidiu que não haveria de se matar
e vingar as lágrimas sangrentas e desesperadas,
porque onde há razão e causa há culpado,
quem implantou todo este meu fardo?
A resposta foi fatal, com o tempo descobriu
que tudo era uma mentira,
que a sociedade não passava de uma loja de roupas
num campeonato de quem faria a melhor pose,
mas a tragédia de tudo isto é que todos o faziam a sofrer
e que João elevou-se ao conseguir se aperceber.
Brincou com a verdade, conseguia olhar nos olhos de alguém
e descobrir as suas mágoas, o seu sofrimento,
tocava na sociedade, desfazia-a tão bem,
que se transformou num Titã,
os deuses da terra transformaram-no num invisível ambulante,
uma assombração velha como as origens do mundo
que se alimenta das perguntas que as lágrimas fazem...

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