A inocência é a universalidade dos seres vivos, é nela que está a beleza da ignorância de quem vive acreditando.

A minha inocência foi esta:


Francisco Sarmento

Este blogue encontra-se concluído para que outro aconteça agora: http://poemasdesentir.wordpress.com/

sábado, 23 de junho de 2012

A Crónica Do Poder Crónico


Meus Senhores,
mandei organizar esta conferência de empresa para vos informar da lista de mortos. Antes de mais, devo acrescentar os meus pêsames a todos os que estão para morrer em breve na lista e os que já morreram. Agora o mais importante, a resposta à pergunta que todos têm feito nestes últimos dias: quem vai ser o último a morrer? Pois bem, cidadãos, serei eu. Visto que não podemos pôr nenhum ser humano fora da lista, devo ser eu o último a morrer. Em primeiro lugar, porque fui eu que fiz a lista das sentenças. Em segundo lugar, porque sou eu que mando matar e, como vocês devem imaginar, não é nada fácil mandar matar, às vezes é preciso sermos nós a ter de disparar o gatilho porque há coisas que me ultrapassam (felizmente é só isto) como a cambada de incompetentes sem profissionalismo nenhum que nem a burocracia sabem fazer e, como devem calcular, eu - que preciso de dormir as minhas dez horas por dia - tenho de me levantar mais cedo, tenho de me vestir logo de manhã, tenho de sair à rua logo de manhã, tenho de entrar num carro logo de manhã, ir até ao Terreiro do Paço logo de manhã, que são exactamente quinze minutos e fuzilar eu próprio as pessoas da lista, ainda tenho de as ouvir berrar histericamente, o que, como já devem ter percebido, não é nada saudável para a minha cabeça. E para concluir, a minha função é mandar matar, e só posso morrer quando não houver mais nenhum ser humano para mandar matar. Na verdade, serei a penúltima pessoa a morrer, porque tenho de mandar alguém matar-me, como devem imaginar não posso mandar matar-me a mim mesmo, tem de ser alguém com patente mais baixa, inferior. Mas esse, também já o escolhi: nada mais, nada menos, que o meu filho. O que me levou a tal conclusão foi que não há ninguém mais melhor que eu e sinto que são nos meus órgãos genitais que está a esperança e salvação da Humanidade. E quem será a mulher que terá a honra de partilhar os genes para a continuação da nossa espécie, perguntam vocês, e eu respondo, que será um óvulo modificado geneticamente para que o meu futuro filho possa, como um das funções principais, ser fisicamente igualzinho a mim e assim possa criar uma estátua minha. Eu que estão a questionar-se como é que o meu futuro descendente vai aprender a construir uma estátua. Pois bem, também pensei nisso, será, neste caso, um livro. Agora vocês perguntam-se como é que o meu futuro filho aprenderá a ler, também já tinha pensado nisso, será, sem tirar nem pôr, eu. Agora os senhores estarão a pensar como poderei ser eu se consto na lista para morrer e eu respondo assim: ressuscitar. Criámos, meus senhores, um aparelho totalmente eficaz que ressuscita depois de três segundos morto. e portanto, voltarei à terra para continuar matar. E agora, meus senhores, devo anunciar-vos que todos terão este aparelho convosco, para eu poder continuar a mandar matar como exige a minha profissão, mas não se preocupem, vocês ressuscitarão para eu voltar a mandar matar-vos e depois de mortos, ressuscitarão para eu poder voltar a mandar matar-vos e assim sucessivamente.
Obrigado e até à próxima.

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