A inocência é a universalidade dos seres vivos, é nela que está a beleza da ignorância de quem vive acreditando.

A minha inocência foi esta:


Francisco Sarmento

Este blogue encontra-se concluído para que outro aconteça agora: http://poemasdesentir.wordpress.com/

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A Cidade de Deus

Aos jovens que vão pisar o chão
que esteve por baixo dos meus pés,
quando já nada restar de mim,
deixo-vos o que eu vi e senti
destas ruas e lares
que eram mais ou menos assim:

Cobre uma nuvem gigantesca e espessa sobre o Rio Tejo.
Não conseguimos ver o céu que está para lá da nuvem...
tão glorioso, tão apaixonante e viciante... tão confortável...
tenho saudades desse céu...
se é como a minha imaginação conta quando olho a nuvem.
Tenho tantas saudades desse céu libertador,
de um ar tão leve que mesmo estando na rua
sentimo-nos em casa, no nosso lar..
Saudades... nunca o vi ou senti.
Mas quando olho para essa nuvem tenebrosa
ergue-se em mim uma luz,
como se eu fosse o próprio sol desse céu tão perfeito e distante...

A nuvem, quando nos cai em cima, rouba-nos a esperança...
Essa nojenta chuva ácida, que nos corrói tornando-nos em ódio...
e sem querermos acaba por ser contra nós que batalhamos...

Menos àqueles que possuem guarda-chuva,
que podem fugir para lá do horizonte do nosso horizonte...
esses, esses que podem, esses que possuem, esses poucos
que nem valem uma milésima de nós...

Mas o que é preciso para fazer desaparecer essa nuvem?
Parece intocável... por mais que a tentemos agarrar, ela escapa-se...
Parece encoberta... todos os pertencentes desta terra
acreditam que é mesmo assim o nosso céu,
cinzento, oscilando somente entre o preto e o branco, monótono...
Mas porque nunca viram o céu, o verdadeiro céu...

O céu que nos é direito inato...
e que nos foi roubado para agradar uma dúzia de pseudo-deuses,
que se acham poderosos e superiores mas que morrem da mesma maneira que nós.
Também nos roubaram a consciência.
Desconcientes, menos quando chove. Quando chove,
eles reclamam, eles sentem a turba, o nosso animal,
que provoca terramotos em qualquer terra,
mas os coitados, com mais esperança que sapiência,
acham que o nada que fizeram é tudo,
não sabem conduzir o animal,
só querem sentir e pertencer-lhe...
é a fome do ódio e a ânsia de vingança
deste nosso desespero arrastado...
tantos séculos de arrasto...
já está nas nossas veias,
acabando por se tornar em veneno,
essa ganância por resultados:
nada, absolutamente nada.

Essa chuva ácida,
essa maldita e eterna chuva ácida
dessa maldição de nuvem,
apodrece as nossas belas flores,
derruba as nossas estátuas,
desfaz os nossos monumentos,
rouba as cores da nossa Bandeira,
enrouquece o nosso Hino,
corrompe a nossa Língua...
já não reconheço a nossa Pátria,
vivemos numa Pátria sem memória...

A origem da nuvem está no motor das fábricas,
fábricas essas que se alimentam do desespero dos nossos
para que as suas chaminés possam expelir a fórmula da nuvem...
E assim conseguiram criar um motor para fazer rodar o mundo,
porque o planeta está corrompido, por si só, no seu modo natural, já não roda...
era necessário electricidade, mas está estática,
dá para senti-la à nossa volta, até faz comichão,
mas o pior: é invisível...
foram as fábricas, que se alimentam da morte dos homens,
que lhes devora as almas, e é do esforço desses homens sem vida,
que tão monotonamente fazem girar a carcaça pêrra do nosso planeta.

Mas quantos se ergueram perante a fatalidade...
agora jazem enterrados, e são mortos, e são histórias esquecidas...
transformam-se em pedras... em pedras da calçada.
A nossa calçada é feita dessas nossas pedras.
Mas todos estão tão preocupados em olhar em frente
que não reparam no que pisam, nas pedras, nos mortos nossos...
Não temos consciência de que essas pedras são feitas de almas.

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