Meu querido amigo,
escrevo-te na solidão para que me ouças na solidão da tua leitura. Para que as minhas palavras sejam melhor absorvidas por ti. Desabafo pela escrita para me esquecer, ou para um dia sorrir quando me lembrar. Tenho que te dizer, quando fui à cozinha, não estava acompanhado pelo silêncio. Voltou a apoderar-se de mim os pensamentos sobre ela. O tempo vai-me afastando dela mas também me vai fazendo aperceber de como tudo foi tão estranho. Surgiram novas perguntas sem resposta. Mas tudo vai dar a uma resposta, independentemente das perguntas, e ambos sabemos que não posso escrevê-la aqui. Esta ferida tem-se cicatrizado mas receio estar a infectar a minha alma... porque... pela primeira vez tive a paixão e fui iludido por ela acabando com o coração despejado. Este veneno, a que vejo muitos darem-lhe o nome de cale para esconder o sofrimento, começa a apoderar-se da minha visão. Começo a questionar o sexo feminino. O que é um rapaz honesto quando é traído tão desprezadamente? Tenho lutado e procurado caminhos que não o comum mas tem sido uma luta difícil. O meu coração foi roubado e não sei criar outro. As veias que teriam o seu fim e início no coração uniram-se sem que o coração se interpusesse entre elas. Tornei-me anomalia. Já não sou natural nem possuo o amor com que fui criado por causa desse lugar vazio agora habitado por veias, que mais parecem teias onde aranhas fazem depósitos de veneno para circular no sangue... Tive vontade de dizer amo-te, sabes, uma vontade enorme de dizer amo-te, tão incontrolável que deixava essas palavras ganharem vida nos meus sonhos, tendo-me dado ela a chave para que lhe pudesse desabafar este desejo, mas depois desapareceu ela deixando-me uma caixa com o meu coração gasto de ter sido abusado, e um bilhete shakesperiano dizendo que nunca me amou... agora, com o meu coração apodrecido insarável, não há espelhos na minha alma que estejam escritos com amo-te, nesta luta minha constante de riscar o amo-te do meu coração, surgindo de novo sobre os riscos, riscando eu por cima outra vez, aparecendo de novo, riscando de novo, uma luta tão desesperada, começada com lágrimas e no fim, com os tecidos do meu coração totalmente desfeitos e despedaçados, não sendo mais do que restos mastigados de carne crua, os meus dentes roem-se de raiva de ter sido tão massacrado por uma mentira. E por ela ter seguido em frente, como se fosse uma psicopata amoral, custando-me o que me custou. Por isto, desconfio instintivamente do sexo feminino e da sua capacidade de sedução, quase que odeio... quem me dera poder distinguir assertivamente em quem confiar mas, infelizmente, foram só os homens que escreveram toda a história da humanidade.
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