Estou cansado.
Já nada me interessa.
Cansa-me os olhos.
Tudo isto.
Tudo o que está à minha volta.
Mentiras, mentiras e mentiras.
Mentiras que eu vejo.
Mentiras que eu vejo mas mesmo assim continuam a ser mentiras.
A realidade, ao defini-la concluo sempre que é uma mentira.
Na perversidade, no desejo que se tornaram objectivos sociais.
É mentira.
É mentira ser poderoso, é mentira ser alguém para alguém, é mentira o tentar e o dizer.
É tudo mentira.
Uma enfadonha mentira que estou sempre a ver quando não sonho.
E canso-me. Porque já não sonho.
Acabou-se-me a irrealidade feliz e pacífica.
Até estas duas palavras são mentira.
Não estão ao nosso alcance.
Somos mortais.
Só a morte e o passado são reais.
A morte que mata a mentira.
O passado que mentiu e ocultou.
O passado real e aldrabão.
Porque o interpretámos como mal o sabemos fazer.
Até a interpretação dos sentidos é uma mentira.
Uma ilusão de factos baseado em detalhes.
Que massada.
A massada que se queixa e se massa com as massas.
Até a massada é hipócrita.
E a hipocrisia é apenas um jogos de aparências.
Ou por outras palavras, uma mentira.
Só sei que é real os objectos.
E nunca os electrónicos que até esses nos mentem.
Apenas cigarros.
Cigarros que não falam.
Cigarros que no acaso ou sem acaso nos levam ou não à morte.
Os cigarros, que tanto apraz ao fumador.
O fumador, que tem o poder de expelir fumo pela boca.
Um poder sobre-humano.
Imortal.
Sem se lembrar que poderá morrer com o cigarro.
Ou não.
Ou morrerá desafectado pelas toxinas do tabaco.
Que amanhã poderá morrer atropelado.
Ou esfaqueado por um louco.
Ou num acidente de comboio.
Ou numa queda partir o pescoço.
Ou morrer electrocutado.
Ou as infinitas possibilidades para determinar num fim: a morte.
Mas durante esse tempo o fumador fuma.
E quando fuma deixa de ser ser humano.
Passa a ser o fumador.
O fumador que fuma.
Um produto numa prateleira qualquer.
Muito bem categorizado por um acto:
o de fumar, que o torna fumador.
E para mais um fumador de ganzas.
O cabrão do fumador de ganzas.
Que por fumar ganzas deve ser preso,
sem nunca ter feito mal a ninguém.
Porque o fumador de ganzas é carocho.
E os carochos são nojentos e atrofiados.
E portanto devem ser posto atrás das grades ao lado de assassinos profissionais comprados pelo Estado.
Ou então devem ser desprezados e abandonados.
Os carochos.
Mas o que será pior?
O carocho ou o carente?
O carente, que nunca existe em pessoa por sermos todos nós.
Carentes.
Carentes escondidos.
Carentes não assumidos.
Carentes que agradam os outros.
Carentes falsos e mentirosos.
Que vivem na ilusão do ser que o outro pensa desses carentes.
E a ilusão é mentira.
Também é mentira a paixão que não é eterna.
A língua portuguesa morreu.
E por isso vício, paixão, sexo, amor, gula, obsessão... é tudo igual.
E quem pensa correctamente é diferente.
Ou quem simplesmente pensa.
Ou quem usa os sentidos.
Os sentidos que absorvem factos.
Factos que não se argumentam.
Factos que se alteram.
E eu vejo os factos.
Os implícitos e os explícitos.
Mesmo que não os veja.
E critico os cegos, os surdos e os que falam.
Enraiveço-me.
Por o serem.
(Por terem boca.
Mas eu também tenho boca.
Uma boca que fala.
E que fala. E que fala.
E que fala. E que fala.
E que fala. E que fala.)
Que o são porque assim foram ensinados.
Ensinados como humanos personalizáveis que somos.
E eu sou hipócrita.
Porque critico.
E também porque não faço.
Mas tenho consciência.
E por isso sou o dobro da hipocrisia.
Sou um mentiroso que acusa e critica as mentiras que o mundo se tornou.
Sou um mentiroso diferente.
Porque acusa a mentira social.
E tenho razão.
Talvez mais quando me chamo mentiroso.
Porque espero.
Sem saber o que esperar.
Mas ironicamente espero.
Mas também vagueio.
Na dúvida e na desconfiança.
A pisar o chão muito cuidadosamente.
Não quero perturbar ninguém que não perturbe o sistema.
Como todos os intelectuais que passam as tardes em conversas e críticas sobre o País.
Mas quando piso com firmeza é sempre na altura em que vou falhar.
Porque não há chão, há ilusão.
Há a miragem.
E eu sei.
Mas agora tenho a certeza.
Porque caí.
E só me apercebi quando me aleijei.
Apesar disto já sabia da ilusão.
Mesmo exactamente antes de pisar.
Aqui.
No meu sub-consciente.
Mas é quase involuntário.
Não me consigo controlar.
Como se já estivesse a cair antes de pisar o buraco iludido de chão.
E digo que é previsível.
Mas continuo. E queixo-me.
E não consigo controlar.
Isto sim é sobre-humano.
E natural também.
Ou nada. Ou relativo.
Tão relativo que mais vale fumar.
Um cigarro.
Ou beber água.
Ou ir à casa-de-banho.
Ou qualquer outra coisa qualquer.
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