Afastei-me do mundo,
cansei-me do cheiro nauseabundo
da ganância e da hipocrisia,
da tolerância sádica da ironia.
Fartei-me dessa humanidade desumanizada,
talvez, talvez tenha sido covardia,
mas eu não suportei mais,
afinal, o amor deixa limitado
de um sorriso à dor.
Tive de virar as costas
sem sequer me despedir,
não quis o vício que tu és,
nem a alucinação me deixara sorrir.
Posso morrer aqui... só...
Que maneira há, de sentir dó,
por alguém que abraçou a morte,
sem direito à honra de uma vala?
A culpa de uma corda ao pescoço
de uma voz que não fala,
igual à de um morto,
numa tortura desigual
que acaba por abafá-la...
Quem tem o direito de apontar o dedo
a uma pessoa que se suicidou sem medo,
quando a voz era calada?
Qual hipócrita,
que não lhe deu ouvidos,
chora no funeral,
entre marés dos arrependidos?
Ele amou a vida,
mas antes dela já amava a sua alma,
e como um cavalo de corrida,
prefere correr até morrer,
do que levar pancada
e ele, na vida,
seria obrigado a sofrer?
Que choras, ó tu,
que as tuas palavras lhe foram nada?
Quantas mentiras lhe pregaste,
prometendo-lhe amor,
quando o amaste
mas só lhe causaste dor?
Qual lhe foi a escapatória
se foi preso na vida,
desgraçado na sua própria memória?
Quantas lágrimas derramou
por não ver nem uma conquista,
nem uma glória?
Que futuro lhe esperaria,
se o passado fora desgraçado?
Quem se riria e sorriria
quando tudo o que conhece da vida
é nada mais que um corpo fracassado?
Que medo teve ele quando se matou,
contraste de quem és,
se a ele o sofrimento não mudou
e tu foges da morte a sete pés?
Sim, agora já é alguém para ti,
agora, choras por não teres tido presença,
agora? Agora que ele já ditou a sua sentença.
Mas onde estavas tu na maldita hora?
Preocupado com quem?
Preocupado com o quê?
Amáva-lo? Não o conhecias bem
se nunca respondeste ao seu porquê.
Que morte criticas tu?
A morte da felicidade
ou das feridas da alma
que teimaram em não sarar?
A morte da sua liberdade!?
Sentia-se impotente perante a sua realidade...
Não venhas falar de pessimismo
se ele nunca conhecera outra cultura
senão a sua própria tortura?
Com tanta gente,
ele nasceu sozinho,
ele sofreu sozinho,
ele sobreviveu na guerra sozinho
e claro, morreu... partiu sozinho...
Que outro caminho da morte seria diferente
ao da sua própria vida?
Ele fez do seu próprio corpo uma mensagem
que tu não quiseste ver,
ele chorou e gritou e tu não lhe falaste,
ainda o acusas de morrer?
Com que direito?
Tu choras durante dois ou três dias,
ele chorou estes anos todos...
Suicidou-se inocente,
suicidou-se por ser ser humano.
Enquanto a cidade se movimentava
ele nunca fora mais que um rato num cano,
por baixo da superfície,
num labirinto sem fim,
procurando soluções
numa terra sem planície...
Ele foi somente uma alma,
indiferente ao corpo,
por isso se suicidou
ao encontro da sua calma...
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