Sabia, segundos antes de a porta se abrir, previ tudo... a porta abre-se. Ela procura-me com os olhos e logo me encontra. Não tinha palavras... eu não tinha palavras, ela estava... linda. Parados, ela cora ao ver o reflexo da sua beleza estampada nos meus olhos. Pela escuridão nocturna deles entrava o sentimento de quem vê o reflexo da lua no mar pela primeira vez. Paralisado, arrepiado, a minha alma expandia-se, como se o corpo estivesse dentro da alma e não o contrário. A constelação da beleza de todas as estrelas do céu já não era mistério da imaginação dos homens. Aproximo-me, fixando-a. Lentamente, toco-a na cara, e os desejos sem palavras ganham nome ao sussurrar o nome dela. Um dos cantos da minha boca sorri, porque sabe. Ela sorri também porque também sabe. E envolve os braços no meu pescoço... parecia dança incitando ritmo ao coração. No mesmo momento os meus braços estendem-se atravessando os lados dela completando uma linha sem fim e sem início nas suas costas - a mesma linha que nos liga espiritualmente. Puxo-a para mim pela cintura, quase tornando físico o desejo. O vestido dela deixava-me ver as costas dela ou não me permitia ver para além disso, contudo, já conhecia a geometria das minhas vontades. As nossas testas encontram-se, os nossos narizes também, sentimo-nos encontrados, um num outro - um alívio ao que o mundo não devia ter sido, à incerteza do que há-de ser e à contradição do que é com o que ignorantemente anseia ser. Os lábios tocam-se calmamente, partilhando em silêncio memórias nossas, como uma despedida que não quer existir. O início do ritual é o beijo. O beijo com significados prontos a acontecer, o beijo que é tudo antes de ser e nada é, quando acontece. O beijo, que é muito mais que beijo, ao sentirmos estarmos mais à frente da história. As nossas mãos, com vida própria, começam a diluir-se nos corpos e depressa correspondem às ordens de quem não é dono. A campainha toca. Toca outra vez. Acordo estatelado no sofá com um fio de baba seca desmantelada e um facalhão adormecido, encostado ao meu peito.
A campainha volta a tocar.
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